Maurice Herbert Jones*
Se Kardec não houvesse fundado, desenvolvido e propagado a Ciência Espírita, pela qual deu sua vida e seu gênio, nossa cultura não passaria de um ciscar de galinhas na crosta da terra.
Nunca saberíamos, através de pesquisas psicológicas e físicas incessantemente repetidas, o que somos, qual o nosso destino e o que a morte representa no vir-a-ser da Humanidade.Ele obrigou os mais famosos cientistas do século XIX a pôr de lado as suas preocupações com a matéria para descobrir e provar a existência do Espírito, como aconteceu com William Crookes, Charles Richet, Alexandre Aksakof, Ochorowics, Friedrich Zõllner e tantos outros, a enfrentar os fantasmas como Edipo enfrentou a Esfinge. Em nosso século forçou Rhine e McDougal a desenvolver na Parapsicolo¬gia as suas pesquisas, hoje vitoriosas em todo mundo.
Dr. Urbano de Assis Xavier
Marília, SP, maio de 1946.
Pessoalmente,
identifico-me com aqueles que veem no Espiritismo, sobretudo, a ciência que,
interpretando racionalmente os fenômenos mediúnicos, fez do espírito, pela
primeira vez na história, objeto central da sua pesquisa. Revelando a
existência do espírito como "ser concreto e circunscrito que, em certos
casos, pode ser apreendido pelos nossos sentidos", Kardec inicia uma
revolução conceptual que ainda não foi valorizada nem pelos espíritas.
J.
Herculano Pires dizia, talvez um pouco presunçosamente, que o Espiritismo é uma
síntese conceptual do mundo moderno, como o Cristianismo o foi do mundo
greco-judaico-romano e o Mosaísmo do mundo antigo. Apesar do escancarado
cristiano centrismo desta afirmação que parece não reconhecer na milenar
cultura oriental mais do que um ensaio para o surgimento do Mosaísmo é evidente
a vocação daquele Espiritismo de Allan Kardec e Leon Denis para a síntese.
Vocação esquecida ou despercebida pela maioria dos espíritas, especialmente no
Brasil, que aceitaram a transformação do vigoroso e promissor pensamento
espírita em mais uma religião. Este processo de sectarização retirou o
Espiritismo do campo aberto dos debates científicos e das especulações
filosóficas e o isolou nas áreas pouco ventiladas das religiões, das crendices.
A
"religião espírita'' até que é bem sucedida no Brasil, tendo conquistado
adeptos e admiradores, principalmente, pelas realizações de natureza
assistencial. É uma religião simpática e certamente seria a minha escolha se me
obrigassem a ter religião. Não nos iludamos, porém, com esta simpatia, ela não
tem profundidade. Eu também me comovo diante do trabalho abnegado de
profitentes das diversas religiões. Isto, entretanto, não me arrasta para estas
religiões nem modifica minha filosofia de vida. E aí está uma questão
fundamental.
Já foi
dito que o homem moderno não quer mais crer de olhos fechados e sim saber de
olhos abertos, significando isto que o homem esclarecido da nossa época somente
aceita modificar sua filosofia, isto é, sua concepção do homem e do mundo,
mediante argumentação científica e filosófica robusta. Ora, o dote espírita é
destacado especialmente nestas áreas e, se for inteligentemente divulgado,
poderá ser valioso aliado na busca da verdade, da liberdade e na luta contra o
sofrimento, objetivos comuns a todos os homens.
A
consequência essencial do extraordinário diálogo de Kardec com os espíritos foi
revelar a existência objetiva do mundo extra físico ou espiritual do qual o
nosso mundo físico é mero subsistema, deslocando, assim, o eixo das nossas
perquirições filosóficas. Do homem físico passamos para o homem espiritual que
transcende aquele. Ora, considerando a existência desta dimensão extrafísica
como fundamental, o Espiritismo afeta drasticamente a forma pela qual
percebemos o mundo e a nós mesmos.
Esta
visão espiritocêntrica e o "humanismo transcendental" que dela
decorre é o cerne da filosofia espírita. Sua natureza renovadora,
revolucionária é evidente. É como brisa fresca no deserto, mas é doutrina de
homens para homens e só poderá ser aquilo que dela fizermos.
(*) Maurice
Herbert Jones, eletricitário, foi conferencista espírita; ex-presidente da
Federação Espírita do Rio Grande do Sul; presidente da Sociedade Espírita Luz e
Caridade (atual Centro Cultural Espírita de Porto Alegre) em várias gestões,
ex-assessor da CEPA-Associação Espírita Internacional. Desencarnou em
20/06/2021, aos 92 anos.
(Publicado no Jornal Opinião de novembro de 1997)
Nenhum comentário:
Postar um comentário