05 janeiro 2024

REFLEXÕES

Maurice Herbert Jones*

Se Kardec não houvesse fundado, desenvolvido e propagado a Ciência Espírita, pela qual deu sua vida e seu gênio, nossa cultura não passaria de um ciscar de galinhas na crosta da terra.
Nunca saberíamos, através de pesquisas psicológicas e físicas incessantemente repetidas, o que somos, qual o nosso destino e o que a morte representa no vir-a-ser da Humanidade. 
Ele obrigou os mais famosos cientistas do século XIX a pôr de lado as suas preocupações com a matéria para descobrir e provar a existência do Espírito, como aconteceu com William Crookes, Charles Richet, Alexandre Aksakof, Ochorowics, Friedrich Zõllner e tantos outros, a enfrentar os fantasmas como Edipo enfrentou a Esfinge. Em nosso século forçou Rhine e McDougal a desenvolver na Parapsicolo¬gia as suas pesquisas, hoje vitoriosas em todo mundo. 

Dr. Urbano de Assis Xavier

Marília, SP, maio de 1946.

Reconheço que a Doutrina Espírita, no que se refere a sua essencialidade, pode ser apreciada de várias formas. Parece evidente que nossas características culturais e psicológicas são determinantes na seleção daquilo que mais nos sensibiliza, que mais se afina com a nossa natureza, merecendo, por isso, destaque especial.

Pessoalmente, identifico-me com aqueles que veem no Espiritismo, sobretudo, a ciência que, interpretando racionalmente os fenômenos mediúnicos, fez do espírito, pela primeira vez na história, objeto central da sua pesquisa. Revelando a existência do espírito como "ser concreto e circunscrito que, em certos casos, pode ser apreendido pelos nossos sentidos", Kardec inicia uma revolução conceptual que ainda não foi valorizada nem pelos espíritas.

J. Herculano Pires dizia, talvez um pouco presunçosamente, que o Espiritismo é uma síntese conceptual do mundo moderno, como o Cristianismo o foi do mundo greco-judaico-romano e o Mosaísmo do mundo antigo. Apesar do escancarado cristiano centrismo desta afirmação que parece não reconhecer na milenar cultura oriental mais do que um ensaio para o surgimento do Mosaísmo é evidente a vocação daquele Espiritismo de Allan Kardec e Leon Denis para a síntese. Vocação esquecida ou despercebida pela maioria dos espíritas, especialmente no Brasil, que aceitaram a transformação do vigoroso e promissor pensamento espírita em mais uma religião. Este processo de sectarização retirou o Espiritismo do campo aberto dos debates científicos e das especulações filosóficas e o isolou nas áreas pouco ventiladas das religiões, das crendices.

A "religião espírita'' até que é bem sucedida no Brasil, tendo conquistado adeptos e admiradores, principalmente, pelas realizações de natureza assistencial. É uma religião simpática e certamente seria a minha escolha se me obrigassem a ter religião. Não nos iludamos, porém, com esta simpatia, ela não tem profundidade. Eu também me comovo diante do trabalho abnegado de profitentes das diversas religiões. Isto, entretanto, não me arrasta para estas religiões nem modifica minha filosofia de vida. E aí está uma questão fundamental.

Já foi dito que o homem moderno não quer mais crer de olhos fechados e sim saber de olhos abertos, significando isto que o homem esclarecido da nossa época somente aceita modificar sua filosofia, isto é, sua concepção do homem e do mundo, mediante argumentação científica e filosófica robusta. Ora, o dote espírita é destacado especialmente nestas áreas e, se for inteligentemente divulgado, poderá ser valioso aliado na busca da verdade, da liberdade e na luta contra o sofrimento, objetivos comuns a todos os homens.

A consequência essencial do extraordinário diálogo de Kardec com os espíritos foi revelar a existência objetiva do mundo extra físico ou espiritual do qual o nosso mundo físico é mero subsistema, deslocando, assim, o eixo das nossas perquirições filosóficas. Do homem físico passamos para o homem espiritual que transcende aquele. Ora, considerando a existência desta dimensão extrafísica como fundamental, o Espiritismo afeta drasticamente a forma pela qual percebemos o mundo e a nós mesmos.

Esta visão espiritocêntrica e o "humanismo transcendental" que dela decorre é o cerne da filosofia espírita. Sua natureza renovadora, revolucionária é evidente. É como brisa fresca no deserto, mas é doutrina de homens para homens e só poderá ser aquilo que dela fizermos.

 

(*) Maurice Herbert Jones, eletricitário, foi conferencista espírita; ex-presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul; presidente da Sociedade Espírita Luz e Caridade (atual Centro Cultural Espírita de Porto Alegre) em várias gestões, ex-assessor da CEPA-Associação Espírita Internacional. Desencarnou em 20/06/2021, aos 92 anos.

(Publicado no Jornal Opinião de novembro de 1997)