CONTABILIDADE ESPIRITUAL
Qual o objetivo da reencarnação?
Aparentemente, esta é uma pergunta básica no âmbito da
doutrina espírita. Afinal, a reencarnação, considerada um dos pilares que
sustentam o edifício teórico do espiritismo, é ideia muito debatida em
palestras dos mais diversos gêneros, em todos os centros espíritas.
Ocorre que, infelizmente, há um erro de interpretação na
razão de ser da reencarnação. O movimento espírita encara-a como sendo uma
oportunidade dada por Deus para que os espíritos " resgatem os débitos do
passado ", ficando, assim, quites com a lei divina, e prontos para
recomeçar sua escalada evolutiva.
Os livros espíritas, especialmente os de autores
desencarnados, são pródigos em estórias que exemplificam esta visão: desde
cruéis senhores de engenho que, tendo maltratado seus escravos, renascem em
absoluta pobreza, sofrendo o escárnio da sociedade até assassinos que devem
morrer cruelmente, não faltam casos a exaltar a infalibilidade do velho ditado:
aqui se faz, aqui se paga.
Àqueles que buscam um motivo teórico para estes casos é
fornecida a explicação da lei de causa e efeito (ou, como é muito comum
dizer-se, a lei do karma): uma vez violada a lei de Deus, o efeito é imediato,
voltando ao infrator sobre a forma de sofrimento inevitável.
Deve-se ter em mente, contudo, que nada há, na base da
filosofia espírita, que justifique a ideia de reencarnação como punição ou
mesmo como resgate de faltas do passado. Kardec é claro ao postulá-la como
prova, isto é, como oportunidade de o espírito refazer, em outra ocasião, a
tarefa que não pode ou não soube realizar a seu tempo.
Mesmo se não se levar em consideração o argumento de
autoridade, isto é, deixando de lado o que diz Kardec, a própria razão deveria
levar a esta conclusão. A reencarnação como punição nada mais é que uma
reedição da pena de Talião, o famoso olho por olho, dente por dente. No fundo,
é apenas uma vingança, cujas reações, apesar de diferentes, são igualmente
funestas. Na melhor das hipóteses, o espírito reencarnante resigna-se a um
destino doloroso, do qual ele não pode fugir, não atuando proativamente em
benefício de uma efetiva regeneração íntima. Na pior das hipóteses, a reação é
de revolta, atrasando ainda mais o processo evolutivo.
O sofrimento não pode, de maneira alguma, estar previsto na
lei natural, como punição inexorável àqueles que a violam. Sofrimento é uma
reação pessoal a fatos da vida, estes sim relacionados diretamente às ações de
cada espírito, encarnado ou não. Aqueles que conseguem ter uma atitude positiva
perante a vida, pouco sofrem; já os que veem no próprio fato de viver um fardo
insuportável (oh! vida, oh! azar...) sofrerão sempre, por menores que sejam as
vicissitudes por que passam.
Reencarnação é prova, tal como provas há em qualquer escola
aqui na Terra. É uma oportunidade fantástica de aprendizado, possibilitando a
cada espírito demonstrar, para si mesmo, que pode continuar sua escala
evolutiva em outros níveis.
O espiritismo é, por si só, uma filosofia altamente
consoladora. Não deve incorporar o sofrimento existente em outras doutrinas,
muletas que, a pretexto de ajudar, obstruem o caminho evolutivo do ser. A
evolução deve ser feliz e prazerosa, mesmo quando difícil. E isto, quem faz
somos nós mesmos