Postamos este artigo como uma homenagem póstuma ao querido Eugênio Lara, pensador espírita desencarnado em 6 de junho de 2024. Com nossa gratidão pelo legado ao espiritismo livre-pensador, humanista, plural e progressista.
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BOM SENSO E SENSO COMUM
Eugenio Lara*
Em diversas oportunidades Allan Kardec declara que o Espiritismo é uma questão de bom senso.
A
questão do bom senso está sempre presente no pensamento de Allan Kardec. Isso
pode ser detectado e observado na leitura de toda a Kardequiana. Mas, afinal, o
que é esse bom senso de que o fundador do Espiritismo e os espíritos tanto
falam?
Podemos
começar a entender o que é esse bom senso no contexto kardequiano ao
compreendermos que ele não é o “senso comum” usado no cotidiano pelas pessoas.
Por se tratar de um conjunto de conhecimentos acumulados por determinado grupo
social, o senso comum é cultural, baseado na tentativa e no erro. Não é
científico, não é filosófico.
O
senso comum produz espontaneamente um critério de verdade aceito por
determinado grupo, herança dos costumes, sem que haja a reflexão, apenas
segue-se a tradição, variando de cultura para cultura porque possui
enraizamento cultural, social.
Já
o bom senso exige reflexão, racionalidade. O critério de verdade eleito pelo
bom senso está associado à reflexão filosófica, ao livre-pensar, ao uso da
razão e da intuição, onde a intuição deve estar a serviço da razão e não o
inverso. É por isso que o Espiritismo é uma doutrina racional, onde o bom senso
exerce lugar de destaque.
O
bom senso de Kardec é semelhante ao cartesiano. No Discurso do Método, o
grande filósofo francês René Descartes inicia suas reflexões justamente sobre
essa questão. Segundo ele, o bom senso “é a coisa mais bem distribuída do
mundo” porque é igual em todos os homens. Descartes define o bom senso como “o
poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso”. Bom senso é
sinônimo de razão.
Conceito
semelhante desenvolve Allan Kardec em suas reflexões, onde o bom senso e
razão são inseparáveis. Não existe razão sem bom senso e nem bom senso sem
razão. Razão, lógica e bom senso são um trinômio inseparável
no pensamento de Kardec, porque para ele o Espiritismo representa um pensamento
peculiar, com identidade própria, que satisfaz, ao mesmo tempo, “à razão, à
lógica, ao bom senso e ao conceito em que temos a grandeza, a bondade e
a justiça de Deus” (...) pela fé inabalável que proporciona.” (O Céu e o
Inferno, cap. I, segunda parte, 14 – FEB).
Segundo
Allan Kardec, para se avaliar o valor, a qualidade dos Espíritos, “não há outro
critério senão o bom senso”. “Absurda será qualquer fórmula que eles
próprios deem para esse efeito e não poderá provir de Espíritos superiores”,
conclui. (O Livro dos Médiuns, cap. XXIV, item 267 – FEB).
Quem
julgará as interpretações diversas e contraditórias fora do campo teológico? –
pergunta Kardec em Caracteres da Revelação Espírita. Ele mesmo responde: “O
futuro, a lógica e o bom senso”. (A Gênese, cap. I – 29 –
FEB).
Na
primorosa introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, acerca da
análise de informações e conceitos oriundos dos Espíritos, Kardec é bem
taxativo: devem ser rejeitados quando entrem em contradição “com o bom senso,
com uma lógica rigorosa e com os dados positivos já adquiridos, (...) por mais
respeitável que seja o nome que traga como assinatura”. (FEB – grifo meu).
Não foi
à-toa que o grande astrônomo Camille Flammarion, em discurso fúnebre proferido
no enterro do mestre lionês, chamou Allan Kardec de “O Bom Senso Encarnado”:
“Razão
reta e judiciosa, aplicava sem cessar à sua obra as indicações íntimas do senso
comum. Não era essa uma qualidade somenos, na ordem de coisas com que nos
ocupamos. Era, ao contrário – pode-se afirmá-lo – a primeira de todas e a mais
preciosa, sem a qual a obra não teria podido tornar-se popular, nem lançar pelo
mundo suas raízes imensas”. (Obras Póstumas – FEB).
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*Eugenio Lara,
arquiteto e designer gráfico, é membro-fundador do Centro de Pesquisa e
Documentação Espírita, editor-fundador do site PENSE – Pensamento Social
Espírita