Fato
Espírita - Inteligência e Simplicidade
Eugenio Lara, (23/7/1962 - 6/6/2024). Arquiteto e designer
gráfico, membro-fundador do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita,
editor-fundador do site PENSE – Pensamento Social Espírita.
Há pessoas que são espíritas sem
que tenham consciência disso. Pensam, sentem e vivenciam ideias e valores que
muitos militantes espíritas “velhos de guerra” nem imaginam como fazê-lo,
mergulhados que estão em seu próprio egoísmo. Normalmente, esse fenômeno
acontece e mostra-se com mais evidência em pessoas que não tiveram, na atual
existência, a oportunidade de se instruir, de aprimorar a inteligência através
do estudo.
No processo evolutivo, o homem
humilde, mas de bom coração, que não teve acesso ao estudo nessa vida, pode
estar bem mais perto da perfeição relativa do que o sujeito extremamente
intelectualizado, com um quociente de inteligência (Q.I.) altíssimo, mas que se
mostra insensível e fechado em si mesmo, quando se trata de abrir seu coração
para o outro.
Realmente, o Espiritismo é bem
esclarecedor nesse aspecto. Afirmam os espíritos que “o homem simples, mas
sincero, está mais adiantado no caminho de Deus do que aquele que aparenta o
que não é.” (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, q. 828-a). A
arrogância, o despeito e a vaidade tomam conta de suas atitudes, de seu
comportamento que, visto sob o ponto de vista moral, mostra-se ridículo e
patético. É o que Deolindo Amorim (1906-1984) chama de falsa cultura: “é
exibicionista, mas a verdadeira cultura é temperada pela humildade, sem
exagero, sem atitudes impressionantes.” (Evangelho e Cultura, em Ideias
e Reminiscências Espíritas).
Todas as pompas e trejeitos
sofisticados não fazem do homem culto e intelectualizado um verdadeiro homem de
bem. Isso não significa, contudo, que devido a esse fato, tenhamos de valorizar
a ignorância em detrimento do desenvolvimento intelectual. Como diz Deolindo
Amorim no mesmo artigo citado: “ao invés de provocar o orgulho ou a empáfia,
como tantas e tantas vezes se diz, a verdadeira cultura cria condições íntimas
para a humildade, mas a humildade raciocinada e não a humildade convencional,
que encobre a presunção recalcada”.
O Espiritismo nos ensina que o
progresso intelectual é incessante, permanente e antecede ao progresso moral. É
que o desenvolvimento da inteligência, da razão, abre portas para o
desenvolvimento moral. Através do livre-arbítrio o ser humano delibera,
exercita seu intelecto e cria situações, dilemas, promove conflitos que exigem
decisões, definindo assim caminhos e escolhas morais.
Sem inteligência não há razão. E
sem raciocínio não há livre-arbítrio. Não dá para pensar em ética, moral e
valores sem a existência do livre-arbítrio. Não há o bem, nem o mal. Haveria
apenas um ser que age sem consciência moral, ou o que é pior, age imaginando
que está agindo com consciência, mas que, na prática, age como um animal, ainda
mergulhado no estado natural.
Na verdade, os maiores obstáculos
ao pleno desenvolvimento intelecto-moral são o egoísmo e a vaidade. Enquanto o
sujeito permanecer bem no alto do pedestal de sua arrogância, não perceberá o
quanto ainda tem que aprender. A sensação de superioridade intelectual ofusca a
necessidade interna de progresso. É o sabe-tudo, o metido a sabichão, que não
percebe o quanto ainda terá de caminhar para ser considerado um homem sábio.
A propósito, o exemplo do grande
filósofo grego Sócrates (469 a.C. - 399 acc.) vem bem a calhar. Quando seu
amigo Querefonte disse-lhe que para o Oráculo de Delfos, ele era o homem mais
sábio de Atenas, mostrou-se surpreso: “Como posso ser o homem mais sábio de
Atenas quando sei tão pouco?” Ao invés de se sentir o “special man”, o “number
one” e tirar proveito disso, apenas dizia: “só sei que nada sei”. Essa atitude
de humildade, oriunda do autoconhecimento, levou o grande filósofo a um
permanente questionamento, à incessante busca da verdade, a se colocar sempre à
disposição para debater suas ideias.
Deolindo Amorim tem, portanto,
toda a razão quando afirma que “quanto mais culta é a criatura humana, mais
humilde ela se torna, porque sabe, e não é mais necessário que alguém lhe diga,
que o legítimo conhecimento só tem proveito para o espírito quando não se deixa
influenciar pela vaidade, pela arrogância, pelo egoísmo”.
Artigo publicado em setembro/2013 no Jornal Abertura, do ICKS-Instituto
Cultural Kardecista de Santos.