“A missão dos reformadores é cheia de escolhos e perigos. Previno-te de que a tua é rude, eis que seu objetivo é abalar o mundo inteiro”.
(Espírito da Verdade – Minha Missão – “Obras Póstumas”, de Allan Kardec)
Conhecer a vida e a obra de Allan
Kardec, o ilustre professor francês, nascido Hyppolite Léon Denizard Rivail, em
3 de outubro de 1804, na cidade de Lion, permite, sim, classificá-lo como um
autêntico missionário. Não no sentido comumente dado aos pregadores religiosos,
imbuídos, sempre, da presumível missão de salvar almas. Missionário na acepção
atribuída a espíritos de escol que encarnam com a missão de abrir perspectivas
novas à humanidade, inaugurando ou prenunciando revolucionários paradigmas de
conhecimento.
Eles
costumam vir, de certa forma, antes de seu tempo. Mergulham em tempo e lugar
cujos limites já foram por eles superados. Retornam, como visionários e
anunciadores de um novo tempo, nem sempre inteiramente assimilável ou
vivenciável por seus contemporâneos.
Espíritos
como Sócrates e Platão, Jesus de Nazaré, Galileu Galilei, Giordano Bruno, René
Descartes, e tantos outros, detinham, todos eles, conhecimentos cuja
aplicabilidade no seu período encarnatório, haveria de ser restrita a um pequeno
grupo de seguidores ou discípulos, mas que convinha semear para que, em tempo
futuro, frutificassem.
Não
por outra razão, o próprio Jesus comparou-se ao semeador que lança sementes ao
solo, muitas das quais não hão de germinar, porque jogadas sobre superfície
infértil, mas ciente de que parte delas alcança o solo fecundo, propício à
futura germinação.
Todos
os espíritos dessa grandeza, naturalmente, por incompreendidos, sofrem
perseguição, são alvo de injúrias e calúnias e, invariavelmente, da condenação
de parte considerável de grupos, pessoas e instituições de seu tempo. As
religiões formais sempre estão entre elas.
Com
Kardec não foi diferente. Mesmo havendo elegido a razão como instrumento a
combater o materialismo, e tendo como escopo, mediante o que denominou de “fé
raciocinada”, dar sustentáculo lógico-racional à questão da imortalidade do
espírito, pregada pela própria religião, encontraria justamente nela seus mais
ferrenhos opositores.
A Igreja,
naquele momento histórico abalada pela perda de enormes parcelas do poder
material a que se habituara por séculos de dominação, não suportaria também a
perda de hegemonia sobre as questões atinentes à espiritualidade. Seus dogmas,
baseados exclusivamente na fé das escrituras, não se compatibilizavam com o
exercício do livre-pensamento e da investigação a desvendar as questões
atinentes ao espírito.
Ante
obstáculos tão poderosos, exercidos justamente pelos agentes da fé, a caminhada
da mensagem missionária de Kardec e de seus interlocutores espirituais deixaria
um legado incompleto, porque progressivo, a se consolidar, cada vez mais
fortemente, não entre os religiosos, mas justamente no seio dos pensadores
livres, comprometidos com uma sociedade progressista, fundada em claros ideais
de equidade e justiça.
Bem divulgada,
a mensagem de Allan Kardec pode ser percebida e assimilada não como uma nova
fé, mas como um paradigma de conhecimento com enorme potencialidade de promover
a justiça, o bem-estar, o amor e a fraternidade, não como conquistas provisórias
vigentes no aqui e agora em favor de alguns, mas como valores perenes, capazes
de transcender o tempo e o espaço, consolidando-se como expressões de uma lei
natural de dimensão e validade universais.
Por ter sido o
semeador de ideias tão generosas, Allan Kardec, o aniversariante do mês, pode e
deve ser visto como um genuíno missionário. Sua missão, no entanto, resta
inconclusa.
Em tempos
ainda marcados pelo materialismo niilista e pelo dogmatismo fanatizante, o
legado libertador kardeciano é tarefa confiada a cada espírita de nosso e dos
tempos que hão de vir. É desafio que devemos aceitar ao lado de todas as
correntes progressistas, aspirantes e batalhadoras por um mundo melhor e pelo
progresso infinito do espírito.
Procurador da Justiça, Editor Chefe do Jornal Opinião por 30 anos, Ex presidente da CEPA por dois mandatos, Membro do CCEPA.
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