21 outubro 2024

O MISSIONÁRIO ALLAN KARDEC-Milton Medran Moreira

O MISSIONÁRIO ALLAN KARDEC
 Milton Medran Moreira

“A missão dos reformadores é cheia de escolhos e perigos. Previno-te de que a tua é rude, eis que seu objetivo é abalar o mundo inteiro”.

 (Espírito da Verdade – Minha Missão – “Obras Póstumas”, de Allan Kardec)        

Conhecer a vida e a obra de Allan Kardec, o ilustre professor francês, nascido Hyppolite Léon Denizard Rivail, em 3 de outubro de 1804, na cidade de Lion, permite, sim, classificá-lo como um autêntico missionário. Não no sentido comumente dado aos pregadores religiosos, imbuídos, sempre, da presumível missão de salvar almas. Missionário na acepção atribuída a espíritos de escol que encarnam com a missão de abrir perspectivas novas à humanidade, inaugurando ou prenunciando revolucionários paradigmas de conhecimento.

               Eles costumam vir, de certa forma, antes de seu tempo. Mergulham em tempo e lugar cujos limites já foram por eles superados. Retornam, como visionários e anunciadores de um novo tempo, nem sempre inteiramente assimilável ou vivenciável por seus contemporâneos.

               Espíritos como Sócrates e Platão, Jesus de Nazaré, Galileu Galilei, Giordano Bruno, René Descartes, e tantos outros, detinham, todos eles, conhecimentos cuja aplicabilidade no seu período encarnatório, haveria de ser restrita a um pequeno grupo de seguidores ou discípulos, mas que convinha semear para que, em tempo futuro, frutificassem.

               Não por outra razão, o próprio Jesus comparou-se ao semeador que lança sementes ao solo, muitas das quais não hão de germinar, porque jogadas sobre superfície infértil, mas ciente de que parte delas alcança o solo fecundo, propício à futura germinação.

               Todos os espíritos dessa grandeza, naturalmente, por incompreendidos, sofrem perseguição, são alvo de injúrias e calúnias e, invariavelmente, da condenação de parte considerável de grupos, pessoas e instituições de seu tempo. As religiões formais sempre estão entre elas.

               Com Kardec não foi diferente. Mesmo havendo elegido a razão como instrumento a combater o materialismo, e tendo como escopo, mediante o que denominou de “fé raciocinada”, dar sustentáculo lógico-racional à questão da imortalidade do espírito, pregada pela própria religião, encontraria justamente nela seus mais ferrenhos opositores.

A Igreja, naquele momento histórico abalada pela perda de enormes parcelas do poder material a que se habituara por séculos de dominação, não suportaria também a perda de hegemonia sobre as questões atinentes à espiritualidade. Seus dogmas, baseados exclusivamente na fé das escrituras, não se compatibilizavam com o exercício do livre-pensamento e da investigação a desvendar as questões atinentes ao espírito.

Ante obstáculos tão poderosos, exercidos justamente pelos agentes da fé, a caminhada da mensagem missionária de Kardec e de seus interlocutores espirituais deixaria um legado incompleto, porque progressivo, a se consolidar, cada vez mais fortemente, não entre os religiosos, mas justamente no seio dos pensadores livres, comprometidos com uma sociedade progressista, fundada em claros ideais de equidade e justiça.

Bem divulgada, a mensagem de Allan Kardec pode ser percebida e assimilada não como uma nova fé, mas como um paradigma de conhecimento com enorme potencialidade de promover a justiça, o bem-estar, o amor e a fraternidade, não como conquistas provisórias vigentes no aqui e agora em favor de alguns, mas como valores perenes, capazes de transcender o tempo e o espaço, consolidando-se como expressões de uma lei natural de dimensão e validade universais.

Por ter sido o semeador de ideias tão generosas, Allan Kardec, o aniversariante do mês, pode e deve ser visto como um genuíno missionário. Sua missão, no entanto, resta inconclusa.

Em tempos ainda marcados pelo materialismo niilista e pelo dogmatismo fanatizante, o legado libertador kardeciano é tarefa confiada a cada espírita de nosso e dos tempos que hão de vir. É desafio que devemos aceitar ao lado de todas as correntes progressistas, aspirantes e batalhadoras por um mundo melhor e pelo progresso infinito do espírito.

 

(Artigo publicado na edição de outubro/2023 do jornal CCEPA Opinião)                                                                                               
*Milton Rubens Medran Moreira

Procurador da Justiça, Editor Chefe do Jornal Opinião por 30 anos, Ex presidente da CEPA por dois mandatos, Membro do CCEPA.


 

Nenhum comentário: