Em 2020, na coluna do
CPDoc, no jornal Abertura, escrevi um artigo sobre a adulteração do livro: A Gênese – Os milagres e as predições segundo
o espiritismo de Allan Kardec.
Atualmente, através da recuperação de grande parte do acervo pessoal de Kardec, que tivemos oportunidade de ver pessoalmente, alguns destes documentos, no XXIV congresso da CEPA, realizado em Porto Rico, de 16 a 19 de maio de 2024, com a exposição e apresentação de Adair Ribeiro Junior, foram se coletando provas para tentar elucidar a polêmica da publicação da 5ª edição do livro A Gênese.
É uma grande emoção
poder tocar nos escritos de Kardec, e vislumbrar como ele trabalhava, suas
pesquisas, anotações, seus critérios que podemos constatar com estas documentações.
Vide documento acima. É impressionante como em uma época que só tínhamos pena/caneta
tinteiro, ele fez tantas pesquisas, escreveu diversos livros, artigos, num
trabalho excepcional.
No artigo de 2020, escrevi
baseada nas pesquisas de Simoni Privato Goldanich: O legado de Allan Kardec, no
livro Autonomia: la história não contada do espiritismo de Paulo Henrique de
Figueiredo; Muita Luz de Berthe Fropo; o artigo de Henri Sausse - Uma infâmia,
publicado na revista Le Spiritisme, um
órgão da União Espírita Francesa, em dezembro de 1884, e com estes documentos
apoiei a ideia de que o livro A Gênese tinha
sido adulterado.
Mas, como bem afirma
Humberto S. Coelho “um risco significativo é o do simplismo quanto a uma
causalidade histórico-social. Uma atitude saudável e viável é sempre a de
evitar o conceito de causalidade, preferindo o de “acompanhamento” do fluxo
histórico”, e assim, com a descoberta de vários documentos, fontes primárias me
fizeram mudar de entendimento. A 5ª edição da A Genese, foi SIM Revisada, corrigida e aumentada por Allan Kardec.
No livro: A história de A gênese de Allan Kardec – Da polêmica aos Fatos, de Adair Ribeiro Junior, Carlos Seth Bastos e Luciana Farias, editado pela Sociedade Espirita Primavera - 2024, temos um farto material apresentado pelos autores, onde há a constatação de vários documentos elucidando a questão.
Conforme os autores
relatam: “ao longo de nossa pesquisa, além de divulgarmos os resultados
parciais nas páginas de Facebook do CSI do Espiritismo (Codificacion Seances
Investigation), do Museu AllanKardec.Online (AKOL) e no blog do site obrasdeKardec.com.br,
escrevemos uma revisão na história da 5ª edição de A gênese, uma série de três artigos para o jornal de Estudos
Espíritas e apresentamos também diversas lives sobre o assunto, reunidos no
livro, os principais textos que escreveram sobre A gênese e a apresentação completa de toda a documentação”. No livro
ainda há 3 anexos: I - Principais lives sobre a história de A gênese. II – A lei da imprensa na
França no século XIX, e III – Fontes primárias em ordem cronológica.
https://www.allankardec.online
Expõe que: “fornecem
evidências capazes de encerrar a polêmica sobre a autoria da edição atualizada
de A gênese, relatando diversos
eventos que compõem os bastidores do espiritismo, em especial o diálogo de
Kardec com alguns Espíritos (Arago, Didier e Galileu) para atualizar a obra, e
elementos que ilustram o modus operandi
adotado por Kardec como autor, tais como exemplos de uso da Revista Espírita
como uma espécie de “laboratório”, antes de incorporar novos conhecimentos à
doutrina”.
Com uma quantidade
imensa de fontes primárias, os autores trabalharam com 3 hipóteses: H1 – Kardec é o autor da 5ª edição de A Genese; H2 – Kardec é o autor da 5ª edição, mas seu texto foi adulterado
por terceiros; H3 - A 5ª edição é um texto totalmente adulterado
por terceiros, sem envolvimento de Kardec.
Ressalto algumas
conclusões indicadas pelos autores:
“ Confirmamos inicialmente que Kardec é o
autor de uma edição atualizada de A
Genese pois ele mesmo declarou, no rascunho de uma carta de setembro de
1868, que havia uma nova edição da obra, com correções e acréscimos
importantes, já na fase inicial de publicação e, com isso, descartamos H3.
Segundo Rouge, Rousset
e Desliens, a 5ª edição de A gênese
de 1869, da qual um exemplar está disponível na Suíça, foi impressa em
conformidade com a Declaração de Impressão de fevereiro de 1869, com o texto
modificado pelo autor”.
“A) Rouge declarou ter preparado os tipos móveis
com o novo texto da obra, disponibilizados para Rousset gerar as matrizes; B)
Rousset relatou ter moldado as matrizes da edição atualizada, pagas por Kardec
no final de 1868, fixando o texto em um molde não alterável; C) Rousset também
afirmou ter entregue a Aureau os clichês fundidos a partir destas matrizes em
1883; D) a edição de A gênese foi
impressa com clichês por Aureau no mesmo ano, e, portanto, contém apenas o
texto escrito por Kardec”. (As
declarações de Rouge e Rousset, a 7ª edição, como são feitos estes tipos,
tipografia e maiores detalhes estão contidos na Parte II deste texto no livro).
“
Por fim, os autores não identificaram nas fontes primárias apresentadas quaisquer
evidências de que terceiros modificaram o texto de A gênese, eliminando a H2, e confirmando a H1.
Kardec é o fundador da Librarie Spirite et des Sciences
Psychologiques, editora da 5ª edição de A
gênese de 1869, assumindo a publicação de suas obras: que Kardec elaborou a
nova edição de A Gênese, com
correções e acréscimos importantes, a qual estava pronta e sendo impressa desde
1868; que o pedido de impressão desta edição foi registrado pela tipografia em
fevereiro de 1869, com Kardec em vida; que a publicação da edição foi concluída
provavelmente entre abril e maio, logo após sua morte, sob a supervisão de sua
herdeira Amélie Boudet e que, como Kardec se comprometeu com a editora de
publicar, Amélie estava obrigada legalmente a concluir a publicação.
E os autores nos
demonstram como Amélie tem um papel fundamental na obra de Kardec, por exemplo,
ela registrou que a 5ª e a 6ª edição de A
genese eram de 1869 no Inventário da Sociedade Anônima do exercício de
1872/1873. Sob sua tutela também foi publicada em 1º de junho de 1869 a
brochura Caracteres da Revelação Espírita”.
O livro apresenta vasta
documentação, e constatações que nos emocionam, por exemplo: quando Carlos Seth Bastos encontrou uma
referência a uma edição de 1869 em uma ficha catalográfica no WorldCat que levou às informações de
registro de um exemplar na Biblioteca da Universidade de Neuchâtel na Suíça.
Ou um capítulo que
informa como Kardec concluiu uma edição atualizada da obra.
Vale lembrar que a
inauguração da “Librairie Spirite
(onde Kardec finalmente seria o fundador de sua própria editora e livraria) na
Rue de Lille 7, anunciada para o dia 1º de abril, mas ele falece em 31 de
março, na véspera da inauguração.
Fico imaginando, não só as caixas de livros,
que seriam transportadas para a livraria, como também as caixas de mudança de
residência, pois Kardec e Amelie residiriam na Villa Ségur e ele desencarna. Que pena!
Ao final. Adair, Carlos
e Luciana escrevem: “Temos a convicção de que em se tratando de pesquisa
historiográfica, o que se pode afirmar é sempre limitado ao que se conhece com
segurança em um dado momento, e a conclusão é mais robusta quanto mais
evidências distintas apontarem para uma das alternativas, sem que haja
disposições significativas em contrário. Diante dessa profusão de evidências,
rendemo-nos ao que os documentos nos mostraram, isso é, que a atualização de A Gênese, é autêntica e foi realizada
pelo autor Allan Kardec, ainda que publicada postumamente por sua esposa. Cabe
aqui o conhecido adágio de que contra fatos não há argumentos”.
Dito isso, só temos a
agradecer aos autores não só pela brilhante pesquisa, mas principalmente, pela
disponibilização de todo este material para todos. A eles nosso muito obrigada.
*Alcione Moreno –
Médica, ginecologista e obstetra, terapeuta e educadora sexual, membro do GELP
(Grupo Espírita Livre Pensador) do CPDoc (Centro de Pesquisa e Documentação
Espírita), vice-presidente da CEPABrasil, delegada da CEPA e instituidora e
conselheira da Fundação Porta Aberta.
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