Após ler o livro “A Queda do Céu -
palavras de um xamã yanomami” de Davi Kopenawa (Yanomami) e Bruce Albert
(etnólogo francês) solidarizo-me cada vez mais com populações em
vulnerabilidade. O livro deste xamã (pajé) e porta-voz dos Yanomami foi
publicado originalmente em francês, em 2010.
Além de ser sua autobiografia, relata os costumes e as crenças deste povo indígena, bem como a destruição da floresta e sugestões para mantê-la viva. Suas palavras, coletadas por Albert por mais de 20 anos de convivência, resultaram neste livro.
Davi Kopenawa é presidente fundador
da associação Hutukara, que representa a maioria dos Yanomami no Brasil. Em
1993 falou na Tribuna da ONU na abertura do Ano Internacional dos Povos
Indígenas. Em 2008, recebeu menção de honra especial do prêmio Bartolomé de las
Casas, concedido pelo governo espanhol pela defesa dos direitos dos povos
autóctones das Américas e em 2009 foi condecorado com a Ordem do Mérito do
Ministério da Cultura Brasileira.
O livro é composto de três partes: A
primeira - Devir outro.
Relata os primórdios da vocação xamãnica e, em seguida, a iniciação de Davi
Kopenawa como xamã (pajé). Descreve a concepção da cosmologia dos
Yanomami. É muito interessante e profunda.
Cito abaixo alguns parágrafos desta
parte do livro para reflexão:
“Todos os seres vivos têm
“espíritos”, os xapiris.
Sabemos que os mortos vão se juntar aos fantasmas de nossos antepassados nas
costas do céu. Eles permanecem ao nosso lado na floresta e continuam mantendo o
céu no lugar.
A floresta é vida, ela, seus rios,
seus animais, tudo é vida. Por que este povo da mercadoria não para de
destruir? Porque os brancos não percebem que destruindo florestas, matas, rios,
solo, atmosfera irão sucumbir também.
Hoje os brancos acham que deveríamos imitá-los
em tudo. Mas não é o que queremos. Os brancos se dizem inteligentes. Não o
somos menos. Nossas palavras são antigas e muitas. Não precisamos, como os
brancos, de peles de imagens (livro) para impedi-las de fugir de nossa mente.
Nossa memória é longa e forte”.
Davi chama os brancos de Povo da
Mercadoria, e fica indignado que os brancos não entendem que todos vivemos
num Mundo Vivo. Relata seus costumes, a importância da comunidade, a utilização
sustentável dos espaços, suas conversas e reflexões.
Segunda parte do
livro: A fumaça do metal. Sobre a invasão dos garimpeiros. Segue
abaixo alguns parágrafos:
“Os ancestrais que os brancos chamam de
portugueses, mal haviam chegado, já começaram a mentir aos habitantes da
floresta: “Somos generosos, e somos seus amigos! Vamos lhes dar mercadorias e
compartilhar nossa comida! Viveremos com vocês e ocuparemos esta terra juntos!”.
Começaram a vir cada vez mais numerosos, construindo casa, abrindo roças cada
vez maiores, e plantaram capim por toda parte, para o seu gado. Suas palavras
começaram a mudar. Puseram-se a amarrar e a açoitar as gentes da floresta que
não seguiam suas palavras. Fizeram-nas morrer de fome e cansaço, forçando-as a
trabalhar para eles. Expulsaram de suas casas para se apoderar de suas terras,
envenenaram sua comida, contaminaram com epidemias, mataram com suas
espingardas. Seus antepassados não descobriram esta terra, não! Chegaram como
visitantes! A mesma mentira persiste até hoje.
Os brancos, tomados por seu
desconhecimento, puseram-se a arrancar os minérios do solo com avidez, para
cozê-lo em suas fábricas. Não sabem que fazendo isto liberam “fumaça das
epidemias”, xawara. Eles
também são contaminados.
Eu não sei fazer contas como eles.
Sei apenas que a terra é mais sólida do que nossa vida e que não morre. Sei
também que ela nos faz comer e viver. Por isto digo que o valor de nossa
floresta é muito alto e muito pesado. Todas as mercadorias dos brancos jamais
serão suficientes em troca de todas as suas árvores, frutos animais e peixes.
Nada é forte o bastante para poder restituir o valor da floresta doente”.
Terceira parte: A queda do céu onde Davi
denuncia o extermínio dos seus e a devastação da floresta e sugere como
poderemos protegê-la.
“Suas cidades estão cheias de casas
em que um sem-número de mercadorias fica amontoado. Os brancos costumam
empilhar seus bens de modo mesquinho e guardá-los trancados. Sempre levam com
eles muitas chaves. Temos poucos bens e estamos satisfeitos assim. Não queremos
possuir grandes quantidades de mercadoria, basta o pouco que temos.
Os brancos são como formigas. Olham
sempre para o chão e nunca veem o céu. Se no centro de suas cidades as casas
são altas e belas, nas bordas estão todas em ruínas. As pessoas que vivem
nesses lugares afastados não têm comida e suas roupas são sujas e rasgadas.
Criaram as mercadorias pensam que são espertos e valentes. Não querem nem saber
daquelas pessoas miseráveis, embora elas façam parte do seu povo. Rejeitam-nas
e deixam que sofram sozinhas. Nem olham para elas, e, de longe, apenas as
chamam de pobres.
Os brancos não podem dizer que somos
maus e ferozes apenas porque queremos vingar nossos mortos! Não matamos ninguém
por mercadorias, por terra ou por petróleo, como eles fazem! Brigamos por seres
humanos. Guerreamos pela dor que sentimos por nossos parentes recém-falecidos.
Não atacamos queimando multidões de pessoas com foguetes e bombas. Jamais
matamos mulheres e crianças como fizeram os garimpeiros, com certeza, não somos
nós o povo feroz”
É uma leitura imperdível. Como diz Eduardo
Viveiros de Castro no prefácio do livro: Temos a obrigação de levar
absolutamente a sério o que dizem os índios.
* Alcione Moreno: Ginecologista, Terapeuta Sexual, Obstetra, Vice-presidente da CEPABrasil, membro do CPDoc.
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