O Livro
Número Um dos
Espíritas
Cronologicamente, não foi o primeiro livro de
Allan Kardec, nem é sua mais importante
obra, mas “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, que completa 150 anos, é, para a
maioria dos espíritas, o principal e, às vezes, o único livro conhecido e
referenciado nos Centros Espíritas.
A obra
e seu contexto histórico
Desde que o espiritismo, contra a expressa
vontade de seu fundador, Allan Kardec, se tornou uma religião, O Evangelho Segundo o Espiritismo tem
sido visto quase como uma nova bíblia. Muito mais lido do que O Livro dos Espíritos, principal obra de
Kardec, o ESE é proclamado como a base da “religião espírita”.
Por outro lado, lembra o escritor
espírita Eugenio Lara (São Vicente,
SP), há pensadores espíritas de mentalidade não-religiosa que contestam a obra,
achando que nem deveria ter sido escrita. Para Eugenio, nenhuma dessas posições
é a melhor: “O livro deve ser visto em seu contexto histórico e no conjunto da
obra kardequiana. Nem bíblia, nem concessão, mas uma visão de Kardec dos
ensinamentos evangélicos, a visão que ele tinha do cristianismo”. Eugenio Lara
sustenta que “o contexto histórico exigiu de Kardec uma resposta à demanda do
movimento espírita nascente”, e que “numa França católica, a posição espírita
em relação ao cristianismo era uma necessidade, o que não faz do espiritismo
uma nova religião ou teologia cristã”.
Também para o Delegado da CEPA no Rio de
Janeiro, Rinaldo Paulino de Souza, o
contexto histórico não só da França, mas de todo o mundo ocidental foi
relevante, pois o ceticismo trazido pelo Iluminismo levava o Ocidente a perder
a crença no mundo extramaterial e em Deus. Além disso, “era importante destacar
as evidências da reencarnação nos livros sagrados cristãos, reforçando tal
conexão com as explicações morais”, sustenta Souza.
Dentre os pensadores espíritas que entendem
que O Evangelho Segundo o Espiritismo nem
precisaria ter sido escrito está o pesquisador Mauro Quintella (Brasília/DF): “No lugar do OESE, eu teria feito um
livro com uma coletânea das melhores proposições éticas da história da
Humanidade, onde, evidentemente, poderia entrar o que é aproveitável nos
Evangelhos”, disse Quintella, acrescentando que o nome desse livro teria sido
“A Ética do Espiritismo”.
Consolador
Prometido? Terceira Revelação Divina?
Licenciado em Filosofia, e também Delegado da
CEPA, Ricardo de Moraes Nunes
(Santos/SP), concorda que as circunstâncias históricas justificavam a
publicação da obra, mas lhe parece que Kardec e os espíritos foram tomados de
um exagerado entusiasmo ao classificarem o espiritismo como “o consolador
prometido por Jesus”. Para ele, trata-se de tese “bastante ideológica, fugindo
do campo das ideias práticas tão apreciadas por Kardec”.
Já
o pesquisador Augusto Araujo
(Campina Grande/PB) Doutor em Ciência da Religião, vê o ESE justamente como o
livro que “inaugura o período religioso
do espiritismo, previsto por Kardec em 1863”. Araujo identifica ali “uma curva
em direção aos temas cristãos”, o que se deve a uma razão externa: “a
perseguição do espiritismo principalmente pela Igreja Católica”; e outra
interna: “Kardec defende que o espiritismo seja o sucessor histórico e
profético do cristianismo”.
A pensadora espírita Glória Vetter (Petrópolis/RJ) sustenta que Allan Kardec não quis um
espiritismo “igrejista”, mas “cristocêntrico”. Ela não vê problema que Kardec
tenha proposto que os espíritas se apoiem nos ensinamentos de Jesus ou de
outros mestres: “São contributos éticos que fortalecem os espíritos, mormente
daqueles carentes de força e direção”, diz.
Milton Medran Moreira
Matéria de capa do jornal CCEPA OPINIÃO de abril de 2014
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