Dirce Terezinha Habkost de
Carvalho Leite, Pedagoga, Assessora Administrativa do CCEPA
“A convivência é a grande lei” (Maurice
Herbert Jones). Conceitos novos, por si sós, não mudam práticas. Podemos
ampliar conhecimentos, ideias, compreensões que podem ser ricas e consistentes,
mas não são suficientes. Não garantem práticas humanas com eles coerentes e,
assim, melhores. Mudar a prática, aperfeiçoando-a, envolve a área dos desejos,
das emoções, dos sentimentos, das subjetividades de cada ser. Envolve expansão
da consciência que, então, desaguará na ação coerente com a teoria já abraçada
intelectualmente.
Difícil, sem dúvida, mas bela e
realizadora a tarefa evolutiva. É como trilhar um novo e desconhecido caminho.
A luminosidade antecipa a geografia e os acidentes da estrada, mas não remove
os obstáculos. Isso cabe ao caminhante. A razão, a criatividade, a intuição e a
gama de desejos de superação, vontade e decisão necessitam atuar unidos na
busca de estratégias que orientem os passos, previnam prejuízos e facilitem o
alcance do destino final.
Teoria e prática, aliados importantes de
nossa jornada na Terra, dois universos tão distintos e, ao mesmo tempo, tão
semelhantes em sua razão de existir, nos educam e nos elucidam, cada um a seu
modo, sempre que os aproximamos e estabelecemos o nexo de sentido que há entre
eles. Apresentam-nos campos distintos, mas reciprocamente significantes e
dependentes. Necessitam retroalimentarem-se para cumprir seus destinos e
finalidades. Na interseção de ambos está a riqueza. Há uma seiva de vida que os
liga e que circula entre ambos, esperando ser descoberta e assimilada por nós
para enobrecer nossa forma de sentir, pensar e agir. A realidade inspira e
embasa o conhecimento, já que a teoria é a sistematização, o ordenamento e a
expressão das observações e da racionalidade humana sobre a experiência dos
seres, em todas as áreas. Mas a teoria, sendo a reflexão da realidade, nos
remete para além dos fatos. Por isso mesmo, ela nos dá novas visões,
abrindo-nos o ainda não considerado e o que não poderia ser visto
anteriormente. Já, a prática, ensaio e experimentação, muitas vezes cega e
reativa, e em função disso, muitas vezes altamente dolorida, é a expressão do
que somos, pois nossa conduta nos revela, sendo o resultado de tudo que
absorvemos e construímos até o momento, denotando, assim, toda nossa
complexidade. Necessitamos da prática:” ... estais ainda aprendendo a distinguir
o erro da verdade e necessitais das lições da experiência para o exercício do
vosso julgamento e vos fazer avançar.”(Sto. Agostinho em O Livro dos Espíritos
– Cap. IX). É o conhecimento que nos dá elementos de bem analisar nossa prática
e, sempre que oportuno for, superá-la, reinventá-la e construí-la em novas
bases. Evidentemente, essa união, teoria e prática, acompanhada do adequado
exame nutrido do pensamento crítico, resultará na síntese sempre individual
possível a cada um, além de vir a convergir, necessariamente, para nosso
melhoramento, felicidade e utilidade no coletivo.
Assim, o conhecimento e seu manancial de
“luminosidade” têm o poder de apresentar um novo panorama, um renovado ideário,
um mundo de novas possibilidades de expressão da nossa potência humana. No
entanto, o que chamamos “evolução” o conhecimento não executa. A instância dos
desejos, da vontade, do esforço e da disciplina e determinação, aliada a um bom
nível de autoconhecimento, autoaceitação e, é claro, boa dose de humildade, é
determinante e precisa ser acionada. Como diz nosso tão querido amigo e mestre
Jones, “...esse desejo de mudança precisa nascer das entranhas.”
Unir teoria e prática, aspiração de todo
espírita consciente e lúcido, envolve encontrar o equilíbrio entre o
conhecimento doutrinário e a educação dos sentimentos, esse tsunami interno que
insiste em revelar-nos no saudável e no nem tanto. Preciso é, de tempo em
tempo, fazer a correção das rotas que podem nos conduzir de encontro aos
rochedos, onde o verde da vida não habita. Envolve criar caminhos para o
florescimento da vida interior, dos silêncios para se escutar, alimentando
rituais de autoconhecimento. Envolve sair de si mesmo, também, para se
enriquecer, bebendo na interdependência humana tudo que ela nos pode oferecer
em ensinos e exemplos. Envolve construir uma convivência fraterna, capaz de
partilhar tudo que aprendemos sem, no entanto, esmagar nosso semelhante com a
nossa pretensa sabedoria, até porque ela é tão frágil e tão transformável.
Envolve duvidar das próprias certezas e respeitar, profundamente, as certezas
momentâneas dos demais. Respeitar não significa sempre concordar. Mário Sérgio
Cortella bem ilustra isso: “... seja rigoroso no pensamento e opinião sem ferir
quem discorde.” Eu diria, sem humilhar, sem ironizar pejorativamente a fala do
outro, até porque isso nos diminui ao nosso próprio olhar e nada constrói de
positivo.
Fazer “nascer das entranhas” uma nova
prática é ir construindo evolução. Eleger pequenas prioridades, colhendo-as nos
indicadores diários de nossa conduta, nas consequências que nossos atos geram
em nossos relacionamentos, poderá ser, quem sabe, útil, seja em nosso lar, seja
em todos os demais ambientes de convivência que a vida contemporânea nos abre. Essa
a essencial aprendizagem. Estejamos, assim, atentos sobre o risco de dominarmos
conhecimentos da doutrina Kardequiana, sem sermos, de fato, autênticos
vivenciadores de seus princípios. Reconheçamos o lugar das emoções, da intuição
e do total de nossa subjetividade, ao lado do pensamento racional, igualmente
necessário, na linda possibilidade criativa e única em cada um de nós, de
expressarmos nosso potencial humano. Respeitemos nossa totalidade, pois é só
com ela que realmente evoluiremos, no esforço permanente de unir teoria e
prática, construindo coerência.
Quando lemos, estudamos e refletimos
sobre a doutrina que abraçamos, nos maravilhamos com o seu conteúdo e
enriquecemos nosso intelecto. No entanto, quando vivenciamos seus princípios ou
quando nos empenhamos em praticá-los é que, então, damos vida aos mesmos e os
justificamos. A doutrina espírita pede para sair dos livros, ultrapassar nossa
intelectualidade, atingir e impregnar com ela nossa sensibilidade, ser
utilizada para expandir nossa consciência, elevando nosso Espírito, e assim,
finalmente, ganhar vida, em uma nova prática humana, capaz de contribuir para
um mundo melhor e para nossa própria evolução, finalidade primordial
exaustivamente repetida por Allan Kardec, em suas obras. “Que o homem utilize o
Espiritismo para o seu adiantamento moral, é o essencial; ... o único meio de
avançar é o de tornar-se melhor.” (Livro dos Médiuns- Primeira Parte-Cap. IV,
item 51). “Não olvideis que o objetivo essencial, exclusivo, do Espiritismo é
vosso adiantamento...” (Livro dos Médiuns- Segunda Parte- Cap. XXVI, item 22).
“Os que não se contentam em admirar a moral espírita, mas a praticam e aceitam
todas as suas consequências ... são os verdadeiros espíritas...” (Livro dos Médiuns-Primeira parte-Cap. III,
item 3º).