Novo Pensar sobre o Mundo, capítulo 10 do livro: “Novo Pensar sobre Deus, Homem e Mundo”
Gosto de pensar o mundo de forma positiva, mas não ingênua.
Passam pela mente o alarido das crianças, as campinas floridas, o amor entre as pessoas, a música, a paciência dos educadores, o trabalho silencioso e persistente dos pesquisadores, os benefícios da ciência e da tecnologia.
Vivi pessoalmente grandes transformações tecnológicas que impulsionaram mudanças dramáticas no comportamento humano.
Vi explodir a liberação da mulher, a pílula anticoncepcional liberando o sexo feminino.
Acompanho a expansão da vida corpórea, com base na saúde pública, na infraestrutura do saneamento básico.
Na ascensão econômica de milhões.
Não desconheço a multidão dos problemas, o terrorismo erguido como arma política e em nome de Deus.
A miséria humilhante de milhões de pessoas em todo o mundo e principalmente na África.
Individualmente cada pessoa, em qualquer parte, procura a felicidade, às vezes travestida em delinquência.
Vivemos o mundo globalizado, interligado pelos meios de comunicação.
A aldeia global se materializa pela internet, pelas comunicações via satélite.
Estamos no olho do furacão das notícias e informações de todas as partes, sofrendo as dores e os temores de todos os seres humanos espalhados pelo mundo afora.
Tamanha carga de emoções exige um redimensionamento da mente, da percepção, da capacidade de priorizar, de decidir, de escolher. De ouvir e não ouvir. De ver e não ver. De falar ou calar.
As aldeias primitivas se transformaram em cidades, em metrópoles, em megalópoles. As distâncias se encurtam.
O papel das religiões
Apesar das mudanças fenomenais, podemos ainda dividir o mundo conforme a predominância dessa ou daquela religião.
Se algumas religiões estão muito marcadas numa região, como o budismo, o hinduísmo e as religiões chinesas, por exemplo, o islamismo se distribui em muitas partes.
Segundo estatísticas, o número de ateus e livres pensadores, principalmente no mundo ocidental, é expressivo.
Mas a quantidade de profitentes das várias religiões é muito grande.
Pode-se afirmar que cerca de 70% da população mundial tem ou é adepto de uma religião.
Embora nominalmente, as igrejas cristãs continuem com milhões de fiéis, na prática, a quantidade de adeptos que frequentam, participam dos cultos é cada vez menor.
O que, entretanto, é notório, é a perda da força das igrejas como elementos determinantes da moral social.
Nos países islâmicos a disciplina religiosa é férrea e seus 94 governos autocráticos e teocráticos estabelecem leis que inibem quaisquer tentativas de mudanças nos rituais e ordenações.
Nos países ocidentais o laicismo estabeleceu novas regras.
No seio das igrejas mais tradicionais dessas crenças ou paralelamente a elas, surgem movimentos fundamentalistas, que pretendem radicalizar a crença ou obstar o progresso, que atraem um público expressivo.
A verdade é que as religiões em toda a história, são movimentos organizados para exercer o poder.
Promovem a fé, mas não a espiritualidade.
Através do culto exterior, das ordenações, exaltam a profusão da fé sem fundamento espiritual. Atendem aos desejos de uma grande parte que se sente mais ou menos desprotegida dos seus deuses.
Os crentes querem receber benefícios e já não falam das bem-aventuras depois da morte, mas o bem-estar, a pujança, a riqueza aqui e agora.
São meras distorções e atualizações convenientes das tradições. Perante o quadro de deterioração da crença religiosa ancestral, essas novas táticas se apresentam como uma espécie de boia de salvação da tentativa do ser humano de permanecer na tona nesse mar de indefinições.
Modelo “civil“ ou direitos humanos
É importante assinalar que o domínio absoluto das normas morais e éticas das religiões e, no que nos toca, do cristianismo, permitiu que se disseminassem conceitos cruéis de discriminação humana.
Sob o modelo cristão, floresceram a escravidão, a inferioridade da mulher, se adotou e aceitou legal e moralmente que determinadas raças eram inferiores às outras e que podiam ser exploradas.
No século vinte, sacudido por duas grandes guerras e, principalmente depois de 1945, com a criação da ONU – Organização das Nações Unidas, o pensamento laico, humanista, se impôs e em 1948 foi lançada a Declaração dos Direitos Humanos.
A Declaração é uma ordem moral universal, estabelecendo princípios que a maioria deseja para permitir uma relação de dignidade e respeito pela pessoa humana em qualquer parte do mundo.
É uma relação de princípios que as nações decidiram aceitar como direitos dos cidadãos, apesar de não serem aceitos ou totalmente aplicados principalmente nos países de estrutura não democrática, dominados por religiões extremistas.
Na verdade, muitos dos princípios são declaradamente contrários às práticas determinadas pelos regimes teocráticos e ditatoriais e pelas igrejas dominadoras. Apesar das grandes falhas e dificuldades essa Declaração está como desafios que, todavia, só serão implementados conforme as religiões forem superadas com seus dogmas e ordenações tradicionais.
Através da Declaração existe a proposta de criar uma sociedade relativamente igualitária.
Primeiramente com a força das leis e, posteriormente como normas de vida. Os esforços para implantar o respeito aos direitos humanos representam uma derrota para os modelos criados pela teologia de todos os tempos.
Um novo olhar sobre a moral
A moral é mutável. Representa o desejo ou a aceitação tácita de comportamentos que mobilizam as pessoas e estabelece um quadro de compensação social.
É por isso que os mais antigos se referem “ao seu tempo” como melhor, mais equilibrado e respeitoso. A juventude atual é responsabilizada pela aparente desarticulação do ambiente contemporâneo, mais permissivo, mais revolucionário.
A variedade evolutiva dos Espíritos que constituem a humanidade encarnada e desencarnada do mundo permite uma análise menos extremista do ser humano.
Os valores morais estabelecidos pela cultura são basicamente válidos. Entretanto, há uma perversão de conceitos ao se criar certos padrões que não ajudam o crescimento das pessoas.
A espada sobre a cabeça criada pelos conceitos religiosos de culpa e pecado cria uma situação contraditória. De um lado há a tentação de infringi-los, contrariara-los.
De outro a tensão interior dos que aceitam ou admitem esses critérios e se vem chocados com suas realidades e desejos.
A transformação da divindade em tribunal é uma invenção das religiões.
Elas se esmeram em apresentar uma imagem da divindade como reativa, punitiva, sujeita a humores. A divindade cria, expande e mantém a vida para a felicidade e não para a dor.
Então, por que as pessoas sofrem? Quem determina a dor, a doença, a opressão, a miséria?
Devemos superar a tentação de simplificar o quadro das realidades do sofrimento humano, com explicações convenientes, como a exigência de pagamento de supostas dívidas do ser humano com Deus. A compreensão ampla da vida do ser espiritual, no roteiro de repetição, reajuste e prosseguir apesar de tudo, que caracterizam a humanidade, indicam que todos os mecanismos da vida estão à nossa disposição para crescer, superar e, finalmente, ser feliz.
Partindo do princípio de que Lei Natural não é moral. Temos elementos para um novo olhar sobre o porquê da vida e a natureza evolutiva do ser humano.
Essa visão diferenciada não pretende justificar o que cada pessoa sente em si mesmo, mas dar uma explicação plausível para o quadro tão disforme e tão conflitante da humanidade.
Não estamos falando propriamente das diferenças culturais, sociais, mas não desconsideramos a influência desses fatores na relação da pessoa consigo mesma, com o próximo e com o social, de modo amplo.
Certamente as restrições, as superstições, enfim, todo o aparato místico-religioso serviu e serve ainda como limite para nortear ou pelo menos condicionar o pensamento, o comportamento humano. E, também, para provocar revolta e decepções.
Se os valores são eleitos, admitidos, absorvidos, servem de parâmetro para a moral, para dizer que isso ou aquilo é certo ou errado.
Embora não haja possibilidade de entender todas as nuances da vida, nada na natureza autoriza o modelo de pecado e punição secular. Essa condição tem sido um peso muito grande na consciência e não se pode desprezar a importância dos valores auto estabelecidos.
Freud disse que ninguém foge de si mesmo.
Então não se trata de dizer que não há culpa, pois ela existe.
O que não há é o pecado, porque não existe essa relação de infração da Lei.
A afetividade, ruína e ascensão
A descoberta do outro, gera paixão. Aí começa toda a trama da afetividade, da noção de identidade e os conflitos da posse, do poder, do amor, do ódio. Ou seja, toda a gama afetiva que a relação humana desenvolve gera e transforma.
A relação afetiva produz uma cadeia de elos que ligam as pessoas entre si.
O processo reencarnatório exprime essa polarização através das reações e ações passionais, carinhosas ou agressivas que compõem a realidade das relações humanas. Essa confusa sequência de relações está inserida no livre arbítrio que permite agir com certa, porém não infinita liberdade.
Porque a lei de causa e efeito estabelece a reciprocidade de ações, de modo que o equilíbrio será, ao final, encontrado para que haja possibilidade de vivência produtiva.
Por isso, o aparente caos nas relações humanas é um processo rotatório, dinâmico. Revisado constantemente, resulta numa forma de coexistência, abre oportunidade de resolução das questões internas que desiquilibram o Espírito, possível principalmente pela mobilidade que a encarnação e reencarnação possibilitam.
O ciclo – nascer, viver, morrer, renascer – é o vetor que possibilita, pelo choque que promove, a renovação de estados mentais depressivos, confusos e maldosos. Embora, a dor, o sofrimento, amor e ódio, sejam próprios do Espírito em qualquer plano em que exista, é na vida corpórea que, devido à renovação das personalidades, encontram um espaço concreto e efetivo de resolução.
Somente essa perspectiva poderá dissolver a aparente contradição entre livre arbítrio, como instrumento de expansão e evolução do ser inteligente e a Lei. Isto é, não existem limites morais na Lei.
Os limites não estão fora, mas delineados e funcionam inevitavelmente dentro do universo pessoal, nos mecanismos dos condicionamentos e choques de valores como medo, o poder e todos os demais processos de vivência e conflito que o Espírito enfrenta.
Entretanto, onde buscar inspiração para o comportamento?
Nas lições do evangelho, Allan Kardec buscou a inspiração segura para o desenvolvimento ético e moral que o Espiritismo propõe. Junto e além de qualquer lição moral ou de evangelização, o que importa, sobretudo, é que a noção de imortalidade se estabeleça como parte da estrutura do ser humano. A perspectiva real da imortalidade é o caminho da elevação pessoal e social humana.
Não há lugar para um salvador. Mas, positivamente, tem lugar para as lições de Jesus de Nazaré, e de todas as lições de profetas e reveladores que constituem o conjunto de elevação pessoal, em direção ao equilíbrio mais amplo de si mesmo.
A Terra é azul, gira no silêncio do cosmo cumprindo o seu roteiro.
Cada uma das pessoas gira em torno de si mesma em busca do outro.
Isso é vida e vida dinâmica, que inclui dor, alegria, lágrimas e sorrisos. Mas somente a persistência do ser que cada um é, além da morte e antes do túmulo será o sinal para uma nova etapa da humanidade.
Um comentário:
Sensacional. Texto amplo porém assertivo e direcinador à como Vivenciar a Moral necessária para Evolução. Digno de ser perscrutado e discutido em cada proposição.
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